

Muita gente acredita que, para ser psicólogo, é obrigatório estar em processo terapêutico.
Essa dúvida é comum — e até compreensível, já que o autoconhecimento é parte essencial da prática. Mas será que existe uma exigência formal sobre isso?
A verdade é que não há nenhuma lei que obrigue psicólogos a fazerem terapia pessoal.
Por outro lado, a recomendação ética e formativa sobre esse cuidado é levada muito a sério. E não por acaso: quem escuta o outro com profundidade, também precisa se escutar.
Neste artigo, você vai entender o que diz o CFP sobre o tema, por que tantos psicólogos escolhem fazer terapia e como isso impacta na sua atuação clínica. Mais do que uma regra, esse é um compromisso com você e com o cuidado que entrega ao outro.
Vamos falar sobre isso com honestidade e clareza.
A psicologia no Brasil é regulamentada pela Lei nº 4.119/1962 e supervisionada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pelos conselhos regionais. Nenhuma norma legal obriga o psicólogo a estar em processo terapêutico para exercer a profissão.
Ou seja, fazer terapia não é uma exigência formal, como acontece em profissões que exigem exames periódicos de saúde.
No entanto, ao longo da formação e da prática, você provavelmente já ouviu professores, supervisores ou colegas recomendarem fortemente a terapia. E isso não é por acaso: a atuação clínica envolve escuta profunda, acolhimento de angústias e contato direto com a dor do outro. Sem preparo emocional, esses encontros podem se tornar fontes de desgaste, projeções ou reatividade.
Embora não seja obrigatório por lei, há uma expectativa ética e profissional de que o psicólogo mantenha um bom nível de autoconhecimento. O Código de Ética Profissional reforça que o psicólogo deve atuar com responsabilidade, sem permitir que questões pessoais interfiram na escuta. Para isso, muitos profissionais utilizam a terapia como ferramenta de suporte e fortalecimento da própria saúde mental.
Esse cuidado com a própria subjetividade não é um luxo, mas uma parte essencial da qualidade clínica. Afinal, como sustentar o sofrimento do outro com presença e empatia se você não se reconhece diante das suas próprias dores? A terapia, nesse contexto, não é uma obrigação — é uma escolha madura que reflete zelo pela própria atuação.
Embora não exista obrigatoriedade legal, algumas formações exigem que o psicólogo esteja em terapia pessoal. Esse é o caso, por exemplo, de cursos em psicanálise, psicodrama, gestalt-terapia, bioenergética e outras abordagens clínicas profundas.
Nessas linhas teóricas, a prática profissional exige um mergulho pessoal como parte da construção do terapeuta.
O psicólogo em formação nesses modelos precisa vivenciar os efeitos da escuta, do silêncio, da transferência e da elaboração emocional. A vivência terapêutica se torna parte do aprendizado, e não apenas uma recomendação técnica. Por isso, nesses contextos, estar em terapia é um pré-requisito para atuar com consistência e ética.
Em algumas situações, o psicólogo pode optar por iniciar com supervisão antes de procurar terapia pessoal. A supervisão ajuda a organizar o raciocínio clínico, refletir sobre as reações diante dos casos e perceber pontos cegos da prática. Ela também é uma forma de cuidado profissional, mas não substitui completamente a terapia pessoal.
Supervisão e terapia cumprem papéis diferentes:
O ideal é que ambas caminhem juntas, principalmente nos primeiros anos de atuação.
Decidir não fazer terapia não significa que você esteja errado ou atuando fora da lei.
Mas é importante que essa escolha venha acompanhada de consciência, humildade e disposição para refletir sobre os impactos disso na sua prática. Se a ausência de terapia compromete sua escuta, seu manejo ou sua saúde mental, talvez seja hora de reavaliar essa decisão.
O psicólogo que cuida da própria estrutura emocional tende a ser mais seguro, ético e acolhedor com seus pacientes. E quando você busca apoio, está, na verdade, fortalecendo sua prática — não fragilizando sua imagem. Essa é uma das formas mais potentes de se posicionar com verdade na profissão.
Atender alguém em sofrimento exige mais do que técnica: exige presença, empatia e uma escuta limpa de ruídos pessoais. É comum que o paciente desperte memórias, afetos ou gatilhos emocionais no terapeuta — e isso faz parte da clínica.
Mas quando você não está emocionalmente estruturado, esses gatilhos podem se transformar em reações impulsivas, julgamentos ou bloqueios.
A terapia pessoal permite que você reconheça seus próprios temas sensíveis, acolha sua história e reduza os impactos disso na escuta. Você passa a identificar com mais clareza o que é seu e o que pertence ao outro — o que torna a atuação mais ética, profissional e cuidadosa. Nesse sentido, fazer terapia não é um diferencial — é uma base sólida para a prática.
Psicólogos estão constantemente expostos a relatos intensos, dores profundas e experiências de grande carga emocional. Mesmo com preparo técnico, isso pode gerar cansaço afetivo, tensão corporal, ansiedade e até insônia. A longo prazo, a sobrecarga emocional pode levar ao adoecimento físico ou ao esgotamento psicológico.
Estar em terapia ajuda a liberar essas tensões, ressignificar vivências difíceis e manter o equilíbrio emocional. Você cria um espaço onde também pode ser acolhido — sem julgamentos, sem a obrigação de “dar conta de tudo”. Esse cuidado com você é uma forma de sustentar o cuidado com o outro.
Sem perceber, muitos psicólogos acabam ultrapassando fronteiras na relação terapêutica, seja por excesso de zelo, empatia desmedida ou dificuldade em dizer “não”. Esses envolvimentos, mesmo bem-intencionados, podem fragilizar o setting e comprometer a autonomia do paciente. A terapia pessoal te ajuda a identificar essas tendências e criar limites mais firmes e saudáveis.
Ao compreender melhor seus próprios padrões emocionais, você reduz a chance de agir no “automático” dentro da clínica. Além disso, você passa a lidar melhor com críticas, cancelamentos, recusas ou resistências, sem levar tudo para o lado pessoal.
Isso traz mais leveza e segurança para o trabalho. Sinais que você é bom psicólogo.
Quando o psicólogo está em paz com suas próprias questões, ele escuta de forma mais generosa e menos reativa. Isso impacta diretamente na relação com o paciente, que sente liberdade para se expressar sem medo de julgamento ou invalidação. Uma escuta autêntica não se constrói apenas com técnica — ela nasce da maturidade emocional de quem escuta.
Estar em processo terapêutico desenvolve sua capacidade de acolher, silenciar, refletir e sustentar o que o outro traz. Você se torna mais presente, mais centrado e menos ansioso por “respostas rápidas”. E isso é o que mais fortalece o vínculo clínico.
Muitos profissionais buscam terapia apenas quando estão em crise, esgotados ou vivendo algo muito intenso. Mas a terapia também pode ser um espaço de expansão pessoal, amadurecimento e descoberta de novas potências. Ela não serve apenas para “consertar” o que está ruim — mas para sustentar o que está saudável e aprofundar o autoconhecimento.
Com o tempo, você percebe que a terapia não é um custo, mas um investimento. E que ela não é um peso, mas um alívio. Você não precisa esperar a urgência chegar para se permitir esse cuidado.
Quando você conhece suas próprias emoções, fica mais fácil perceber quando está reagindo de forma automática ou projetando algo no paciente. Essa clareza interna te ajuda a se posicionar com mais segurança e a tomar decisões clínicas mais bem fundamentadas.
Você deixa de agir por impulso e passa a conduzir a sessão com mais intencionalidade e consciência técnica.
A terapia pessoal te ensina a identificar quando algo mexe com você de forma intensa — e a não transferir isso para o atendimento. Você se torna mais apto a sustentar silêncios, lidar com resistências e acolher conteúdos difíceis sem perder o eixo.
Essa estabilidade emocional impacta diretamente na confiança do paciente.
É comum que, ao longo da escuta, certos conteúdos tragam incômodos ou toquem pontos não resolvidos em você. Sem perceber, o psicólogo pode evitar temas, mudar de assunto ou interpretar de forma enviesada por conta dessas interferências.
A terapia pessoal funciona como um “afinador interno”, ajustando sua disponibilidade afetiva e seu grau de entrega.
Quando você aprende a reconhecer suas próprias defesas e dores, também aprende a não projetá-las no outro. Isso amplia sua capacidade de acolher diferentes histórias, realidades e posicionamentos — mesmo quando são muito diferentes dos seus.
E é essa abertura que cria uma escuta realmente terapêutica.
A terapia não apenas melhora sua escuta: ela também fortalece sua ética clínica.
Quando você está emocionalmente equilibrado, consegue estabelecer e manter limites claros, sem culpa ou rigidez.
Você se posiciona com mais serenidade diante de cancelamentos, conflitos, críticas ou pedidos delicados dos pacientes.
Além disso, o autocuidado regular evita que você busque no paciente reconhecimento, aprovação ou afeto que faltam na sua vida pessoal. Essas distorções, mesmo sutis, podem comprometer a neutralidade terapêutica.
Com terapia, você se relaciona com o paciente de forma mais honesta, respeitosa e profissional.
Nem sempre é fácil estar diante de histórias de trauma, perdas, violência ou sofrimento profundo. Em alguns momentos, essas narrativas podem te tocar de forma tão intensa que despertam exaustão, impotência ou tristeza. Se você não tiver um espaço para processar isso, corre o risco de se desconectar emocionalmente ou de se sobrecarregar.
A terapia oferece esse espaço de elaboração. Você aprende a diferenciar empatia de absorção, presença de fusão emocional. Essa maturidade emocional te permite seguir cuidando do outro — sem se esquecer de cuidar de si.
O processo de se tornar psicólogo não termina na faculdade — ele se estende por toda a vida. E estar em terapia pessoal é parte dessa jornada contínua de formação, amadurecimento e lapidação da escuta. Quanto mais você mergulha em si, mais profundamente você consegue acolher o outro.
Estar em processo terapêutico te torna mais humano diante da humanidade do paciente.
Mais presente diante da dor dele. E mais coerente entre o que você orienta e o que você vive. Planejamento estratégico para psicólogos: crescimento sustentável
Não, a terapia pessoal não é uma exigência legal para o exercício da psicologia.
Mas é, sem dúvida, um dos recursos mais potentes para sustentar uma prática clínica ética, segura e transformadora. Ela não é sobre resolver todos os seus conflitos, mas sobre estar disponível para reconhecer quando eles interferem no seu trabalho.
Estar em terapia é um gesto de maturidade profissional e também de humanidade.
É reconhecer que você também sente, também se afeta, também precisa de escuta.
E, justamente por isso, escolhe se cuidar — não como obrigação, mas como compromisso com o outro e com a profissão.
Se você não está em terapia agora, tudo bem. Mas vale se perguntar: o que tem te impedido? E o que poderia mudar se esse cuidado fizesse parte da sua rotina?
No fim das contas, a escuta que você oferece ao outro sempre começa na escuta que você permite a si mesmo.
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